Estudo mostra que 83% das mortes por câncer atribuíveis ao álcool poderiam ser evitadas se as pessoas consumissem dentro das diretrizes. Os achados reforçam o papel central da prevenção no enfrentamento das mortes evitáveis atribuídas ao álcool, e oferecem subsídios importantes para políticas públicas de saúde.
O consumo de álcool é um dos principais fatores de risco evitáveis para o desenvolvimento de câncer. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o álcool é responsável por aproximadamente 4% de todos os casos de câncer no mundo, afetando órgãos como fígado, mama, cólon, boca e esôfago.1 Apesar disso, as intervenções para redução de danos ainda enfrentam barreiras significativas, como baixa percepção de risco, normalização cultural do uso excessivo e políticas públicas de prevenção insuficientes.
Um estudo publicado na revista JAMA modelou o impacto da redução do consumo de álcool na mortalidade por câncer entre adultos nos Estados Unidos.2 Os autores utilizaram dados populacionais e de mortalidade dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, estimando que mais de 10.000 mortes por câncer atribuíveis ao álcool poderiam ser evitadas ao longo da vida dos atuais adultos se houvesse uma redução modesta no consumo, em especial, se os episódios de consumo excessivo episódico fossem reduzidos.
O estudo considerou diferentes cenários de redução do consumo de álcool, como a substituição do consumo excessivo por um padrão moderado, definido pelas Diretrizes Dietéticas dos EUA como até uma dose de álcool por dia para mulheres e até duas para homens, e a abstinência total. As estimativas indicam que aproximadamente 83% das cerca de 20 mil mortes por câncer atribuíveis ao álcool nos Estados Unidos a cada ano poderiam ser evitadas se todos os adultos que consomem álcool mantivessem seu uso dentro dos limites recomendados. Os tipos de câncer com maior impacto preventivo seriam os de fígado, orofaringe e mama, dada a sua forte associação com padrões de consumo excessivo.
Além disso, a análise sugere que intervenções populacionais, como aumentos de impostos sobre bebidas alcoólicas, restrições à publicidade, inclusão de rótulos com advertências sobre câncer e ampliação do aconselhamento clínico em contextos de atenção primária, representam estratégias de alto custo-benefício para reduzir significativamente a mortalidade evitável por câncer associado ao álcool.
Reflexões para o Brasil
Apesar de o estudo ter foco nos Estados Unidos, as lições são aplicáveis ao contexto brasileiro. A estimativa de que aproximadamente 17 mil casos novos de câncer por ano no Brasil são atribuíveis ao consumo de bebidas alcoólicas.3 No entanto, a percepção pública sobre esse risco ainda é baixa. A redução do consumo de álcool é uma das medidas mais importantes e custo-efetivas para prevenir mortes por câncer. Estudos como o de Esser et al. contribuem com evidências robustas para embasar políticas que coloquem a prevenção no centro da agenda pública.
Rumgay, H., Shield, K., Charvat, H., Ferrari, P., Sornpaisarn, B., Obot, I., Islami, F., Lemmens, V. E. P. P., Rehm, J., & Soerjomataram, I. (2021). Global burden of cancer in 2020 attributable to alcohol consumption: a population-based study. The Lancet. Oncology, 22(8), 1071–1080. https://doi.org/10.1016/S1470-2045(21)00279-5
Esser, M. B., Sherk, A., Liu, Y., Henley, S. J., & Naimi, T. S. (2024). Reducing Alcohol Use to Prevent Cancer Deaths: Estimated Effects Among U.S. Adults. American journal of preventive medicine, 66(4), 725–729. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2023.12.003
Rezende, L. F. M., Lee, D. H., Louzada, M. L. D. C., Song, M., Giovannucci, E., & Eluf-Neto, J. (2019). Proportion of cancer cases and deaths attributable to lifestyle risk factors in Brazil. Cancer epidemiology, 59, 148–157. https://doi.org/10.1016/j.canep.2019.01.021