Uma revisão científica recente propõe uma mudança paradigmática no estudo do vinho e saúde, defendendo uma abordagem holística que considera o "efeito matriz" ao invés de focar em compostos isolados. O estudo destaca como a interação entre polifenóis, álcool e outros componentes do vinho pode influenciar significativamente a biodisponibilidade e os efeitos biológicos desses compostos, questionando a eficácia de suplementos baseados em componentes isolados ou vinhos desalcoolizados.
Um estudo de revisão 1 publicado no International Journal of Molecular Sciences analisou criticamente a metodologia de pesquisa sobre vinho e saúde, propondo uma abordagem holística que considera o conceito de "efeito matriz" - a interação complexa entre diferentes moléculas em matrizes vegetais que produz respostas específicas, frequentemente diferentes daquelas observadas com constituintes isolados.
A pesquisa focou em três polifenóis principais presentes no vinho: tirosol, hidroxitirosol e resveratrol, destacando como suas propriedades lipofílicas os tornam prontamente solúveis em soluções hidroalcoólicas, ao contrário da maioria das outras moléculas da mesma classe. Esta diferença no tipo de veículo é uma das razões para sua maior biodisponibilidade.
O estudo demonstra que o vinho possui a matriz mais peculiar entre as bebidas alcoólicas, podendo influenciar significativamente a biodisponibilidade do fitocomplexo obtido pelos processos de fermentação. A matriz do vinho desempenha papel instrumental tanto em melhorar a biodisponibilidade de compostos benéficos quanto em inibir a carcinogenicidade dos metabólitos do álcool.
Os autores identificaram que pelo menos treze polifenóis presentes no vinho são "potentes inibidores de vias relacionadas ao metabolismo do etanol para acetaldeído". Três outros polifenóis (epicatequina, epicatequina galato e epigalocatequina) demonstraram capacidade de "atenuar quebras de dupla fita no DNA induzidas por acetaldeído através da eliminação do acetaldeído".
A revisão apresenta evidências sobre as limitações de alternativas ao vinho:
Suco de uva: Mostrou-se ineficaz como matriz para absorção de quercetina e resveratrol, tanto em animais quanto em humanos, enquanto a adição de 10% de etanol ou whisky resultou em boa absorção das moléculas.
Vinho desalcoolizado: Experimentos em mulheres pós-menopáusicas produziram resultados decepcionantes, enquanto o vinho tinto não modificado demonstrou reduzir o risco de doenças cardiovasculares.
Extratos de vinho tinto (RWE): Apresentaram resultados conflitantes em estudos humanos, com valores completamente diferentes de dilatação mediada por fluxo (FMD).
Os achados sugerem que ignorar o efeito do vinho como um todo, e focar apenas em compostos isolados como os polifenóis, pode levar a interpretações enganosas, como no caso de vinhos desalcoolizados ou suplementos nutricionais baseados em compostos do vinho. Alternativamente, pode ocorrer ênfase excessiva na atividade tóxica de um único componente (álcool), ignorando a ação protetora específica de outros compostos (polifenóis) presentes na mesma matriz.
O estudo conclui que a pesquisa sobre vinho e saúde deve evoluir de modelos moleculares clássicos para conceitos como o efeito matriz e fitocomplexo. A matriz do vinho desempenha papel fundamental na melhoria da biodisponibilidade de compostos benéficos e/ou na inibição da carcinogenicidade dos metabólitos do álcool, confirmando as recomendações do Grupo Científico da OMS de "investigar os possíveis efeitos protetores de ingredientes além do álcool em bebidas alcoólicas".
1. Miraldi E, Baini G, Biagi M, Cappellucci G, Giordano A, Vaccaro F, Bertelli AAE. Wine, Polyphenols, and the Matrix Effect: Is Alcohol Always the Same? Int J Mol Sci. 2024 Sep 10;25(18):9796. DOI: 10.3390/ijms25189796.